Não tenhas medo de falar de aborto!

A foto que tirei hoje e que serve apenas para que vejam a minha cara
21/09/2021

Acordas neste dia que devia ser feliz, mas não te sentes nada feliz. Afinal adoras celebrar a vida, mas ainda agora estás a lidar com a morte. Ninguém te diz como lidar com isto, ninguém te preparou para lidar com isto, os aniversários devem ser felizes, mas a verdade é que este não é. Estás na merda, estás mesmo lá no fundo, em baixo, mais baixo parece impossível neste momento. E vêm as pessoas dar-te os parabéns, e com belas palavras de conforto.

“Ah isso passa, não estejas assim, depois tentas outra vez”;

“ah, ao menos foi no primeiro trimestre, ainda não era nada”;

“era porque não tinha de ser”…

E tu respondes obrigada com um sorriso forçado mas por dentro só te apetece gritar. Porra!!! Não, isto não passa assim, não, não quero tentar outra vez e passar por isto de novo. Foi no primeiro trimestre, mas era como se fosse o último, incrível como se ama um ser que ainda é menor que uma lentilha, mas que tinha coração a bater, batia dentro de ti, tinhas vida, estavas habitada, é algo que ninguém compreende, cada um sabe o que sente por isto, que é grande, oh se é! E porra, não tinha de ser porquê? Porquê? Que mal fizeste para não ser merecedora?

“Ah, mas já tens um, algumas mulheres nunca chegam a ter nenhum filho”.

Ok, mas não quero saber das outras mulheres agora, não consigo pensar nisso, agora dói-me a mim, já tenho outro mas este já era também tão amado. Ainda achas que está aí contigo, ainda não acreditas bem que está a sair aos pedaços! Que bela merda esta!
Custa, dói, ninguém imagina a tua dor senão tu. A dor é tua, que já estavas a gerar a vida e não sabes o que fizeste de errado para ela terminar.


Por isso, não será um feliz aniversário, de certeza que não, se pudesses passarias por cima, e para o ano quem sabe consigas celebrar novamente a vida numa nova perspectiva. Talvez já consigas dar algum significado a tudo isto, ou pelo menos já consigas aceitar que há coisas maiores que nós. Controlamos muito pouco nesta vida.

Esta foi das mensagens mais intensas e mais inspiradoras que recebi nestes 35 anos de vida.

Foi escrita por uma Mulher, uma Mãe, uma Amiga que já passou por muito – demais, diria eu – entre o 1º e o 2º filho.

Não vou estar aqui com merdas.

Por esta altura já percebeste o que aconteceu.

A história que te vou contar não tem final feliz.

No dia 29 de Agosto confirmei que estava grávida.

E digo confirmei, porque muito antes já suspeitava.
Conheço bem o meu corpo.

Mas entre a suspeita e a confirmação… uiii… o medo de fazer um teste, de voltar a criar expectativas, ainda de que forma inconsciente.

Imagem do teste de gravidez

Neste dia, voltei a voar um bocadinho mais alto.

Tinha enjoos, um sono sem fim e a barriga (quem me conhece bem, sabe como é) a ganhar forma.

Caramba! É desta!
Não pode acontecer o mesmo do ano passado (podes ler ou reler aqui).

“Depois da tempestade, vem a bonança!” É isto, não é?

1ª consulta uns dias depois do teste

Estava de 6 semanas e uns dias.

Um pânico incrível de me deitar na marquesa e olhar para aquele ecrã!

“Está a ver aqui? É o saquinho… e está a ver estes tracinhos?
É o coração a bater.”

PORRA!! Estou grávida e desta vez o embrião está no útero! É desta! PORRA!!!

Comecei a fazer uns óvulos de progesterona apenas por precaução, para garantir que desta vez é que era. Bora lá!

Consultas e eco das 12 semanas… tudo marcado!

Estava tudo a andar… até que ao fim de uma semana o corrimento – que até agora era branco (por causa da medicação) – ganhou uma cor assim meio acastanhada… e pouco depois mudou para um rosa que me deixou angustiada.

Falei de imediato com a médica e voltei ao hospital.

7 semanas e 2 dias.

“Continua aqui, está tudo bem, mas vamos parar...”

Parar o quê, Drª?

“Não vai fazer esforços, não vai treinar, não vai fazer limpezas, não vai carregar sacos de compras, não vai fazer grandes viagens de carro, vai ficar quieta.
Vamos aumentar a dose de progesterona mas… pode ser uma ameaça de aborto…”

Uma ameaça de quê? Aborto? Não estou a acreditar nisto. Outra vez?

Saí da consulta desanimada.
Desanimada é, aliás, uma palavra bem fraquinha para descrever tudo aquilo que me passou pela cabeça e pelo coração.

Caramba! Fiz tudo o que a médica disse. Tudo! Cumpri com tudo.

Mas algo me dizia que ia correr mal novamente…
Os sintomas da gravidez começaram a abrandar.
Já não tinha as mamas a explodir… os enjoos diminuíram…

Como é que é possível, certo? Estava “tudo bem”…!

“Tem a certeza que viu os batimentos?”

A 2 dias das 8 semanas… comecei a perder sangue.

Fui à urgência e… o embrião, segundo a médica, estava lá, muito pequenino e já sem batimentos.

“Tem a certeza que viu os batimentos?”, pergunta a médica da urgência com a sensibilidade de uma pedra da calçada.

(E antes que perguntes, não pude ir à minha obstetra porque ela já tinha saído. Era uma urgência e eu tinha de ser observada rapidamente.)

Se tenho a certeza que vi os batimentos… o que seria suposto eu ter respondido? Que fantasiei? Que a minha médica se enganou? Que sonhei?

Mas sabes… a única coisa que consegui responder no meio do caos que me ia na alma foi que sim.

SIM, tinha visto.

SIM, tínhamos visto.

A minha médica, eu e o Martim.

Nessa noite, tive que trazer comigo a ecografia.
E agora pergunto-te o que é suposto uma Mulher, uma Mãe fazer com uma ecografia da gravidez que perdeu…

Está aqui em cima da minha secretária porque ainda não tive coragem de voltar a pegar-lhe… ou de a meter no lixo… ou de a atirar pela janela.
É um pedaço de mim… que perdi.

E sim, o corpo recupera. Mas e o resto?

Não tenhas medo de falar.
Não tenhas medo de falar de aborto, se alguma vez te acontecer.
Sabes porquê? Porque já chega toda a culpa que sentes e que não consegues controlar.

Não te sintas menos Mulher.
Não te sintas menos nada.
Nunca, em momento algum
.

E mais, não tenhas medo de dizer o que te vai na alma.
Não tenhas medo de usar a palavra — que é horrível, eu sei — para explicares o que te aconteceu.

E, acima de tudo, não tenhas medo de ter medo.

Ainda achas que está aí contigo, ainda não acreditas bem que está a sair aos pedaços! Que bela merda esta!
Custa, dói, ninguém imagina a tua dor senão tu. A dor é tua, que já estavas a gerar a vida e não sabes o que fizeste de errado para ela terminar.

Para ti que estás desse lado e que já passaste por isto… deixo-te um grande beijinho.

Claro que a vida continua, mas dá tempo ao tempo e dá-te tempo… sim, dá-te tempo.

2 Comments

  • Maria Eugénia Ferreira Gomes

    É muito difícil, sim, passar por uma situação destas. Pessoalmente não cheguei a abortar, mas desde o primeiro ao quinto mês tive descolamentos de placenta em repouso total. Sei o que sofri sempre a pensar que não chegaria a nascer. Em muitas das muitas ecografias que fiz não se detetava batimento cardíaco, foi um sofrimento atrós durante 9 meses, sempre convencida que se nascesse, não seria uma criança saudável nem perfeita. Quando entrei na maternidade para fazer a cesariana parecia que ia para a forca, nunca tive alegria, nem nunca consegui aproveitar o momento de estar grávida. Felizmente nasceu perfeito mas com algumas complicações de saúde. Hoje quando olho para ele, é já lá vão quase 29 anos, ainda sinto alguma ansiedade por tudo o que passei e tenho uma ligação com ele que não tenho com a minha filha mais velha. Amo os dois da mesma maneira sem fazer distinção, mas há algo muito forte que nos liga aos dois. Neste momento de dor só lhe posso desejar de todo o coração, força, muita força, e muita coragem, o segundo(a) vai chegar quando menos esperar….se aconteceu comigo também pode acontecer consigo, o principal é nunca perder a esperança, tentar fazer a sua vida “normal” e cuidar dessa bonequinha, o resto vem por acréscimo…um abraço bem forte e um grande beijinho ?

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