Sou eu que te escrevo – a Ana, a mãe, a mulher.
Andei ausente do blog.
Dediquei-me ainda mais aos treinos, a cuidar de mim.
Fui beber copos. Bebi vários. E não foram de água.
Não foram meses fáceis os últimos.
E não, não é da pandemia que te quero falar.
No dia 24 de Abril sentia a barriga mais inchada do que o normal.
Tinha tido uma perda de sangue uns dias antes que associei à menstruação e, por isso, desvalorizei os sintomas de gravidez.
Mas nesse dia 24… sentia-me estranha.
Tinha parado a pílula em Fevereiro para tentar engravidar e… decidi comprar um teste, pelo sim pelo não.
Deu POSITIVO.
É verdade que estranhei o facto de não ter as maminhas a explodir como da gravidez da Nonô, o não estar enjoada… mas mandei mensagem à minha ginecologista que me deu os Parabéns e disse que cada gravidez tinha as suas especificidades.
Meti o teste em cima da secretária do Martim e esperei.
Quando ele se apercebeu ficou sem saber o que dizer… abraçou-me e chorámos! Afinal de contas, estava a ser tudo tão rápido como da 1ª gravidez…
Disse-lhe que fazia questão que a Nonô soubesse antes de toda a gente. Ele concordou.
Contámos-lhe pouco depois. Há meses que ela pedia uma mana ou um mano para brincar.
Ficou radiante. Encostou-se à minha barriga e deu-me tantos beijinhos!!
Estava felicíssima porque ia ser a Mana mais Velha.
E isto tudo em pleno estado de emergência!
Seguiram-se, portanto, as videochamadas – avós e tios.
Nem foi preciso dizer nada, porque a Nonô encarregou-se de dizer tudo. Estava numa excitação tal que era impossível ser de outra forma.
Tudo parecia perfeito
Na manhã seguinte saltei da cama e fui com a Nonô para a cozinha tomar o pequeno-almoço para o Martim ficar a dormir mais um bocado.
Quando fui à casa de banho estava com perdas de sangue… nada muito intenso, mas… mandei logo mensagem à minha médica que me pediu para ir rapidamente à urgência.
Quando chego ao Hospital da Luz… senti um vazio que nem consigo explicar.
Estar sozinha num momento destes deixa marcas.
Mas a pandemia assim ditou.

A triagem foi super rápida. E antes de me deitar para ser observada ainda consegui ler uma mensagem da minha mãe que dizia qualquer coisa como:
“Bom dia filha! Está tudo bem? Estamos muito felizes por vocês. Beijinhos.”
Oh mãe, se tu soubesses o que eu chorei a seguir e não te contei!
A médica não encontrava nem o embrião, nem o saco gestacional… mas encontrava restos de sangue e líquido num dos ovários… senti dor, muita dor, durante a observação e logo isso era sinal de que algo não estava bem.
Levantei-me, vesti-me e sentei-me novamente na secretária à frente da médica da urgência.
“Olhe, pode estar a acontecer uma de duas coisas: ou está de menos tempo que o suposto e ainda não conseguimos ver ou está a perder a gravidez… e desculpe mas estou mais inclinada para a segunda hipótese.”
Ok. E agora?
“Agora vamos fazer a análise à Beta Hcg e aguardar.”
Ok.
“Vai voltar daqui a 48 horas ou antes se tiver perdas abundantes”
O resultado da análise confirmava o que a médica disse.
Pelas contas à última menstruação estava de 6 semanas e 2 dias mas pela Beta Hcg não tinha mais que 2-3 semanas.
Ou seja, ou era isso ou estava a abortar…
“Vai voltar daqui a 48 horas para repetir a análise ou antes disso se tiver perdas abundantes de sangue, combinado?”
Combinado.
Saí do Hospital da Luz e fui para casa.
E agora como é que ia explicar a uma criança pequenina que afinal já não ia ser a Mana mais Velha?
Isto era o que me passava pela cabeça.
Como é que eu lhe ia explicar isto tudo?
Arrependi-me de lhe ter contado mas, ao mesmo tempo, como é que eu ia saber que a coisa ia correr mal se correu tudo bem da primeira vez?
Explicámos que a sementinha não estava bem e que a mamã também não. Ela entendeu à sua maneira e assim digeriu a nova informação.
Deu-me sempre muitos miminhos.
As crianças têm uma capacidade enorme de nos surpreender!
De sábado a 2ª feira continuei com perdas ligeiras de sangue.
Na 2ª feira, dia 27 de Abril, repeti a análise. O valor estava a subir… devagarinho.
Enviei o resultado à minha ginecologista…
“A probabilidade da gravidez evoluir é muito baixa.”
No dia 4 de Maio repeti a análise e a minha médica pediu-me para ir ter com ela à consulta para ser observada.
Antes mesmo do resultado sair fui ter com ela.
Observou-me e estava “tudo bem”.
“O útero está limpinho”, disse ela. “E não encontro mais nada fora do sítio”.
Fiquei depois a perceber que ela procurava, de alguma forma, uma gravidez ectópica…
“Agora vida normal e daqui por 1 mês espero por uma mensagem sua com boas notícias. Vai correr tudo bem.”
Saí de lá mais conformada, nem sei explicar.
Mas a médica estava com tantas certezas e, afinal de contas, eu estava “bem” e era isso que mais importava naquele momento.
Pensei que talvez me tivesse enganado nas contas e fosse apenas uma gravidez bioquímica, sei lá.
Pensei em tudo e não pensei em nada.
À hora de almoço tudo mudou
Cheguei a casa perto da hora de almoço e entretanto estava já sentada à mesa quando saiu o resultado da análise.
Vejo a notificação na app, vejo o valor e recebo de imediato uma chamada da minha médica.
“Ritinha (sim, ela chama-me Ritinha desde sempre!), esqueça tudo o que falámos na consulta. Preciso de 2 minutos para decidir uma coisa mas em princípio vamos ter de fazer uma injecção pois estamos perante uma gravidez ectópica.”
Foram 2 longos minutos.
“Ritinha, preciso que vá à urgência do Santa Maria falar com a Drª Joana. Diga que vai da minha parte, mas ela já estará à sua espera. Em princípio vai fazer uma injecção de Metotrexato para pôr fim à gravidez que continua a evoluir lentamente fora do seu útero. É um medicamento muito forte. Poderá ter de ficar internada ou sair umas horas depois. Vão explicar-lhe tudo lá. Agora o importante é garantir que fica bem.”
Nem acabei de almoçar.
Agarrei no carro e fui para o hospital… o mesmo onde há 4 anos tinha nascido a minha bebé. E agora… um aborto.
Não te vou dizer que foi fácil gerir isto, muito menos gerir isto tudo sozinha por causa da pandemia. Não foi. Não foi mesmo. Não gosto de dramas e, sobretudo, tento sempre racionalizar aquilo que me acontece ao máximo, com alguma frieza até às vezes. Mas isto foi duro. E fez mossa.
Nessa tarde, fui observada por 2 médicas ao mesmo tempo. Nenhuma encontrou nada. Rigorosamente nada. Apenas sangue e líquido num dos ovários. Voltei a repetir a Beta Hcg. Voltei a ser observada.
Não levei a injecção nesse dia, porque as médicas acreditaram que de alguma forma o meu corpo estaria prestes a expulsar tudo… sozinho… e também porque, de facto, é um medicamento muito forte… usado no tratamento do cancro, por exemplo.
Tinha a cabeça a mil nesse dia.
Saí do Santa Maria depois de ter estado sentada no carro a olhar para o vazio durante 15 minutos.
Pensei em tanta coisa e não pensei em nada.
Sentia-me bem. Fisicamente estava bem, apesar da barriga demasiado inchada e dura me fazer muita confusão.
Mas tentei focar-me no essencial.
Uma gravidez ectópica é – percebi depois – um assunto complexo e com muitas variantes.
Se não for tratada há risco de morte.
Percebi então a urgência de resolver tudo.
O porquê de tanta observação, de tanta pressa.
Não fazia ideia. Não fazia mesmo.
E não tenho, por incrível que possa parecer, uma causa para vos indicar.
“Espero por si daqui a 2 dias”
Voltei ao Santa Maria 48 horas depois para repetir a Beta Hcg e ser observada novamente.
Fisicamente estava tudo igual, continuava com perdas de sangue.
A análise indicava um valor ligeiramente mais abaixo do anterior… pelo que a médica voltou a dizer, agora com mais confiança, que o meu corpo iria expulsar tudo sozinho. Que o facto do valor da hormona estar já a descer era muito bom sinal.
Saí nessa manhã com indicação para voltar se sentisse dor forte ou se tivesse perdas abundantes de sangue.
Teria de repetir a análise todas as semanas até que o valor ficasse negativo.
No dia 4 de Maio a Beta Hcg estava nos 487.9.
No dia 15 estava nos 71.8.
Mensagem da minha ginecologista: “Óptimo! A resolver espontaneamente.”
A 22 de Maio estava nos 22.2. Quase lá!
A 29 de Maio, finalmente, 1.1.
“Boa! Resultado negativo. Tudo tratado.”
E assim fechei longas semanas de análises e idas ao hospital.
Agora que escrevi este texto e que te consegui contar o que se passou percebo que realmente falei pouco do assunto… e que as poucas pessoas com quem falei conhecem uma amiga, uma prima, uma irmã que passou pelo mesmo.
Uma delas inclusive, passou por isto há 1 ano e, 1 ano depois, diz que ainda tem momentos em que é difícil lidar com o tema.
Quem julgava eu que era para achar que passava por isto como um tractor?
Foi aí que decidi dar-me tempo.
Mas dar-me tempo mesmo.
“Então mas agora tentas de novo e vais ver que engravidas logo!” Isto em Abril, pouco depois de abortar.
Não! As coisas não funcionam assim.
O impacto foi grande.
Se me encontrares na rua, dá-me tempo! Que eu continuarei a fazer o mesmo comigo! Estou certa que um dia tudo vai correr bem!

10 Comments
Débora
Depois de ler o texto e me emocionar pois é algo que infelizmente é familiar apenas deixo palavras de força…coragem e resiliência…
Como frase que caracteriza esta pandemia: tudo vai correr bem…
Mas nunca é esquecido ..passem os anos que passarem …a sensação de impotência e de “ignorância” na matéria vai sempre fazer parte da nossa história.. para crescermos talvez …alguns dizem que sim…outros agarram-se a fé e acham que foi Deus que não quis… A verdade é que aconteceu…sem explicarmos só a sentir…
Muita força bjinhos grandes e tudo de bom
Ana Mariano
Um grande beijinho Débora! Obrigada pela força!
Laura Silva
Querida Ana, sinto muito por vocês. Sei o que sentes e ao mesmo tempo, não sei… em 2018 perdi o meu bebé com 2 meses de gestação (os motivos pelos quais o perdi, hum dava uma história longa que não interessa agora), mas o corpo expulsou num dia tudo naturalmente… por isso, digo que sei o que sentes pela perda e ao mesmo tempo não sei, pois não passei por tanto. O que te posso dizer é que vais/vão ouvir muitas pérolas de sabedoria (uns porque não sabem o que dizer, outros porque querem ajudar e não sabem como…), mas tentem ignorar. Vou falar pros 2, porque para o Martim também não é fácil (não se fala da perda gestacional e quando se fala, esquecem que há 2 pessoas que sofrem com a perda), ainda pra mais não te pôde acompanhar e apoiar, embora tenha a certeza que o fez depois. Meus queridos, já vos acompanho há alguns anos (à Ana um pouco mais, pois conheço a mana) e sei que juntos vão superar, mas com tempo… não somos todos iguais e não se pode passar por cima disto ou não fica sarado… nunca se esquece, mas é uma dor que pode acalmar… quando li o texto, vieram-me as lágrimas aos olhos e lembrei-me do meu bebé de verão, que virou estrela… quando se perde um bebé e ainda mais um planeado, começamos a amar ainda antes de o termos na barriga e quando chega o positivo… a alegria, os sonhos, os planos, as expectativas… quando se perde, há que fazer o luto de tudo e isso leva tempo… nenhum bebé que venha, substituirá o lugar desse… ele terá sempre um lugar especial… apoiem-se mutuamente… apoiem-se na vossa princesa, pois eles tem um dom de nos arrancar sorrisos mesmo nos dias mais negros… a ti Ana, quero dizer-te que não te cobres, que não fizeste nada de errado, que não te culpes (pois é algo que temos tendência a fazer)… vais rever vezes sem conta esses meses na tua cabeça e um dia, virá a aceitação, mas nunca se esquece… um abraço do tamanho do mundo… bem apertado aos 2… vão ficar bem, tenho a certeza… Estou a torcer por vocês ???
ps:. Vale chorar e muito, pois alivia…
Ana Mariano
Não esquecemos não, não dá! Muito obrigada. ?
Vera
Só para te deixar um beijinho e um abraço ❤️ Não, não está tudo bem. As feridas são para ser vividas e para sarar… só assim as marcas se desvanecem mesmo que não sejam esquecidas.
Ana Mariano
Querida Vera ? Obrigada. Um beijinho grande.
Ana
Olá, só lhe posso dizer que não se culpe. 1 em cada 3 gravidezes não vinha. Antigamente eram os atrasos
Agora como se fazem análises, ecos, etc dá para confirmar melhor. Acontece. E sabe uma coisa? A pikena é a mana mais velha, porque nós vossos corações este novo ser que não vingou contará sempre. Não é culpa de ninguém
Ana Mariano
Por muito que não queiramos, acabamos sempre por nos culpar um bocadinho… e de facto não pode ser. Não há culpas aqui!! Um beijinho Ana.
Beatriz
Querida Ana. A minha primeira gravidez foi uma ectopica. Que por sorte não acabou mal. Fui operada. A minha primeira “cesariana” sem bebé. Retiraram-me uma trompa. Levei de ânimo mais leve porque nessa altura foi “um acidente” e ainda não estava em mim o desejo de ser mãe. Mas ficou uma marca bastante grande. Dois anos mais tarde engravidei (esta já desejada e correu lindamente. Apesar de ter apenas uma trompa e dos meus 39 anos, em 1 mês o coração do Afonso já batia em mim. Para quem não queria ter filhos no dia em que ele nasceu tive a certeza de todo o amor que nasceu em mim e a vontade quase imediata de voltar a engravidar. Também pela minha idade após um ano voltei a engravidar. Criei a ilusão de que tudo correria bem. Porque não? Fiz a primeira eco às 5 semanas (após uma ectopica fica-se aconselhado a fazer eco cedo para perceber se está no sítio certo) Eco feita. Tudo no sítio e coração a bater. Às 10 semanas uma ida ao wc e um coágulo de sangue foi uma premonição do pior. Aborto retido. Foi o maior murro no estômago que alguma vez levei, seguindo-se de um processo novamente perigoso e longo. Levei tempo a recuperar, muito. O meu “consolo” baseava-se no que me diziam. Era porque não tinha de ser… para não ter evoluído era porque algo não estava bem… Mas continuei com a certeza do meu desejo de voltar a ser mãe. Nesta fase entra outro sentimento que até então não existia. O medo. Muito! De voltar a acontecer.. e aconteceu. Mais um aborto retido e mais um balde de água fria. Precisei de mais tempo mas eu já não tinha mais tempo. Fiz análises e já não tinha reserva ovárica e a médica a dizer-me que mesmo tendo alguns óvulos existia a possibilidade de não serem de qualidade mas para continuar a minha vida normalmente. Porque ela ali no hospital já tinha visto de tudo Conformei-me.. ou fiz por isso. Após dois meses, a menstruação sem aparecer. Decidi fazer o teste e positivo. Fiquei com aquele gosto a agri-doce. Medo. Muito! Decidi não dar valor ao facto de estar grávida. Marquei consulta apenas para as 8 semanas a não ser que a experiência me ditasse que dores não eram bom sinal. Contei ao meu marido e decidimos não só não valorizar este positivo como não contar a ninguém. Já não tinha coragem nem vontade. A minha médica não valorizou também. Aconselhou-me a ir com calma e não criar expectativas. Só “descansei” após a eco morfológica. E só sosseguei no dia 13 de Março (curioso dia) quando nasceu o meu Duarte. Um verdadeiro bebé milagre para mim. Conto tudo isto porque conheço bem os meandros dessa dor e de todo o processo de resolução connosco. Força, tempo e esperança. Dou-lhe ainda os meus parabéns por contar e falar num assunto que quanto a mim ainda é muito tabu mas que lamentavelmente é muito comum. Falando e partilhando também faz aliviar a dor. Muita força e dar tempo ao tempo. Um beijinho
Ana Mariano
Beatriz, que dor! E sim, falar do assunto ajuda a apaziguar… Um grande beijinho! ?